sexta-feira, 26 de abril de 2013



Relatos da primeira depilação! 
Vale a pena ler...

"Tenta sim. 
Vai ficar lindo..."

Foi assim que decidi, 
por livre e espontânea pressão de amigas, 
me render à depilação na virilha. 
Falaram que eu ia me sentir dez 
quilos mais leve. 
Mas acho que pentelho não pesa tanto assim. 
Disseram que meu namorado ia amar, 
que eu nunca mais ia querer outra coisa. 
Eu imaginava que ia doer, 
porque elas ao menos me avisaram 
que isso aconteceria. 
Mas não esperava que por trás disso, 
e bota por trás nisso, 
havia toda uma indústria 
pornô-ginecológica-estética.

- Oi, queria marcar depilação 
com a Penélope.
- Vai depilar o quê?
- Virilha.
- Normal ou cavada?

Parei aí. 
Eu lá sabia o que seria uma virilha cavada. 
Mas já que era pra fazer, 
quis fazer direito.

- Cavada mesmo.
- Amanhã, às... Deixa eu ver...13h?
- Ok. 
Marcado.

Chegou o dia em que perderia dez quilos. 
Almocei coisas leves, 
porque sabia lá o que me esperava, 
coloquei roupas bonitas,
 assim, pra ficar chique. 
Escolhi uma calcinha apresentável. 
E lá fui. 
Assim que cheguei, 
Penélope estava esperando. 
Moça alta, mulata, bonitona. 
Oba, vou ficar que nem ela, legal. 
Pediu que eu a seguisse até o local 
onde o ritual seria realizado. 
Saímos da sala de espera e logo entrei 
num longo corredor. 
De um lado a parede e do outro, 
várias cortinas brancas. 
Por trás delas ouvia gemidos,
 gritos, conversas. 
Uma mistura de "Calígula" 
com "O albergue".

Já senti um frio na barriga ali mesmo, 
sem desabotoar nem um botão. 
Eis que chegamos ao nosso cantinho: 
uma maca, 
cercada de cortinas.
- Querida, pode deitar.

Tirei a calça e, timidamente, 
fiquei lá estirada de calcinha na maca. 
Mas a Penélope mal olhou pra mim. 
Virou de costas e ficou de frente 
pra uma mesinha. 
Ali estavam os aparelhos de tortura. 
Vi coisas estranhas. 
Uma panela, 
uma máquina de cortar cabelo, 
uma pinça. 
Meu Deus, era O Albergue mesmo.
De repente ela vem com um 
barbante na mão. 
Fingi que era natural 
e sabia o que ela faria com aquilo, 
mas fiquei surpresa quando ela passou 
a cordinha pelas laterais da calcinha 
e a amarrou bem forte.

- Quer bem cavada?
- é... é, isso.
Penélope então deixou a calcinha 
tampando apenas uma fina faixa da Abigail, 
nome carinhoso de meu órgão, 
esqueci de apresentar antes.
- Os pelos estão altos demais. 
Vou cortar um pouco senão vai 
doer mais ainda.
- Ah, sim, claro.
Claro nada, 
não entendia porra nenhuma 
do que ela fazia. 
Mas confiei. 
De repente, 
ela volta da mesinha de tortura com uma 
espátula melada de um líquido 
viscoso e quente 
(via pela fumaça).

- Pode abrir as pernas.
- Assim?
- Não, querida. 
Que nem borboleta, sabe? 
Dobra os joelhos e depois joga cada 
perna pra um lado.
- Arreganhada, né?
Ela riu. 
Que situação. 
E então, 
Pê passou a primeira camada 
de cera quente em minha virilha Virgem. 
Gostoso, quentinho, agradável. 
Até a hora de puxar.
Foi rápido e fatal. 
Achei que toda a pele de meu 
corpo tivesse saído, 
que apenas minha ossada havia 
sobrado na maca. 
Não tive coragem de olhar. 
Achei que havia sangue jorrando 
até o teto. 
Até procurei minha bolsa com os olhos, 
já cogitando a possibilidade 
de ligar para o Samu. 
Tudo isso buscando me concentrar 
em minha expressão, 
para fingir que era tudo supernatural.
Penélope perguntou se estava tudo bem 
quando me notou roxa. 
Eu havia esquecido de respirar. 
Tinha medo de que doesse mais.
- Tudo ótimo. 
E você?

Ela riu de novo como quem pensa 
"que garota estranha". 
Mas deve ter aprendido a ser simpática
 para manter clientes. 
O processo medieval continuou. 
A cada puxada 
eu tinha vontade de espancar Penélope. 
Lembrava de minhas amigas recomendando 
a depilação e imaginava que era tudo
 uma grande sacanagem, 
só pra me fazer sofrer. 
Todas recomendam a todos porque 
se cansam de sofrer sozinhas.
- Quer que tire dos lábios?
- Não, eu quero só virilha, 
bigode não.
- Não, querida, 
os lábios dela aqui ó.
Não, não, pára tudo. 
Depilar os tais grandes lábios ? 
Putz, que ideia. 
Mas topei. 
Quem está na maca tem 
que se fuder mesmo.
- Ah, arranca aí. 
Faz isso valer a pena, por favor.
Não bastasse minha condição, 
a depiladora do lado invade o cafofinho 
de Penélope e dá uma conferida 
na Abigail.
- Olha, tá ficando linda essa depilação.
- Menina, 
mas tá cheio de encravado aqui. 
Olha de perto.
Se tivesse sobrado algum pentelhinho, 
ele teria balançado com a 
respiração das duas. 
Estavam bem perto dali. 
Cerrei os olhos e pedi que 
fosse um pesadelo.
"Me leva daqui, Deus, me teletransporta". 
Só voltei à terra
quando entre uns blábláblás ouvi 
a palavra pinça.
- Vou dar uma pinçada aqui porque 
ficaram um pelinhos, tá?
- Pode pinçar, 
tá tudo dormente mesmo, 
tô sentindo nada.
Estava enganada. 
Senti cada picadinha daquela pinça 
filha da mãe arrancar cabelinhos resistentes 
da pele já dolorida. 
E quis matá-la. 
Mas mal sabia que o motivo para isso 
ainda estava por vir.
- Vamos ficar de lado agora?
- Hein?
- Deitar de lado pra fazer 
a parte cavada.
Pior não podia ficar. 
Obedeci à Penélope. 
Deitei de ladinho e fiquei esperando novas ordens.
- Segura sua bunda aqui?
- Hein?
- Essa banda aqui de cima,
 puxa ela pra afastar da outra banda.
Tive vontade de chorar.
 Eu não podia ver o que Pê via. 
Mas ela estava de cara para ele, 
o olho que nada vê. 
Quantos haviam visto, à
 luz do dia, aquela cena? 
Nem minha ginecologista. 
Quis chorar, gritar, peidar na cara dela, 
como se pudesse envenená-la.
Fiquei pensando nela acordando à noite 
com um pesadelo. 
O marido perguntaria:
- Tudo bem, Pê?
- Sim... sonhei de novo com o cu 
de uma cliente.
Mas de repente fui novamente trazida
 para a realidade. 
Senti o aconchego falso da cera quente 
besuntando meu Twin Peaks. 
Não sabia se ficava com mais medo da puxada 
ou com vergonha da situação. 
Sei que ela deve ver mil cus por dia. 
Aliás, isso até alivia minha situação. 
Por que ela lembraria justamente 
do meu entre tantos? 
E aí me veio o pensamento: 
peraí, mas tem cabelo lá? 
Fui impedida de desfiar o questionamento. 
Pê puxou a cera. 
Achei que a bunda tivesse ido toda embora. 
Num puxão só, 
Pê arrancou qualquer coisa que tivesse ali. 
Com certeza não havia nem uma preguinha 
pra contar a história mais. 
Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. 
Sons guturais, 
xingamentos, preces, tudo junto.
- Vira agora do outro lado.
Porra.. por que não arrancou 
tudo de uma vez? 
Virei e segurei novamente a bandinha. 
E então, piora. 
broaca da salinha do lado novamente
 abre a cortina.
- Penélope, empresta um chumaço 
de algodão?
Apenas uma lágrima solitária escorreu 
de meus olhos. 
Era dor demais, vergonha demais. 
Aquilo não fazia sentido. 
Estava me depilando pra quem? 
Ninguém ia ver o tobinha tão de perto 
daquele jeito. 
Só mesmo Penélope. 
E agora a vizinha inconveniente.
- Terminamos. 
Pode virar que vou passar maquininha.
- Máquina de quê?!
- Pra deixar ela com o pêlo baixinho, 
que nem campo de futebol.
- Dói?
- Dói nada.
- Tá, passa essa merda...
- Baixa a calcinha, por favor.

Foram dois segundos de choque extremo: 
"Baixe a calcinha".... 
como alguém fala isso sem antes 
pegar no peitinho? 
Mas o choque foi substituído por 
uma total redenção. 
Ela viu tudo, 
da perereca ao cu. 
O que seria baixar a calcinha? 
E essa parte não doeu mesmo, 
foi até bem agradável.

- Prontinha. 
Posso passar um talco?
- Pode, vai lá, 
deixa a bicha grisalha.
- Tá linda! 
Pode namorar muito agora.
Namorar... namorar?!... 
eu estava com
sede de vingança.
Admito que o resultado é bonito, 
lisinho, sedoso. 
Mas doía e incomodava demais.
Queria matar minhas amigas. 
Queria virar feminista, 
morrer peluda, 
protestar contra isso. 
Queria fazer passeatas, 
criar uma lei anti depilação cavada.
Mas eu ainda estou na luta...
Fica a minha singela homenagem 
para nós mulheres! 

TEXTO DE VALERIA SEMERARO

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